"Quando te preocupas com o "bom" e o "mau" dos teus companheiros, crias uma abertura no teu coraçao por onde o mal entrará. Testar, competir e criticar os outros enfraquece e te derrota. Ferir um oponente é ferir a si mesmo. Controlar a agressão sem produzir ferimentos é a Arte da Paz." (Morihei Ueshiba).

terça-feira, 25 de outubro de 2011

OS PERIGOS DO CÉU ABERTO


Para o homem, o natural não é viver livre em liberdade, mas viver livre em um cárcere.
Malaparte
Dentre os animais, o homem é o mais vulnerável; não tem cara­paça, nem couro, nem sequer pêlo que recubra sua pele. É um ser mais nu que uma lombriga e mais frágil que uma larva.
Para o Grande Organizador de Catástrofes, o homem é a vítima ideal, pois não existe outra que, como ele, seja consciente de sua condição. É inteligente, engenhoso, e se obstina comicamente em escapar a seu destino de presa... o que torna ainda mais atrativa a caça ao homem, que a natureza pratica sem quartel.
Em conseqüência, e mesmo que possa parecer paradoxal, as circunstâncias em que o homem tem mais possibilidade de sobreviver - as estatísticas demonstram isso de modo seguro - são precisamen­te as catástrofes de que ele em pessoa é o autor e o responsável, vale dizer: os acidentes automobilísticos e as guerras.

Encerrados nessas cascas de ovo que nós chamamos ''automó­veis", os motoristas lançam-se uns atrás dos outros - ou uns contra os outros -, adiantando-se, esbarrando uns nos outros e se esquivan­do com margens de segurança não superiores a poucos centímetros.
Ademais, nenhum dos participantes deste jogo perigoso respeita as regras, donde o razoável seria pensar que não pode haver sobreviventes ao final de um balé tão louco. Entretanto, e contrariando todas as expectativas, as estatísticas provam que, dos milhões de alucinados que a cada dia jogam este jogo, só alguns milhares nele encontram a morte. O que, em definitivo, equivale a dizer que cada um de nós, quando sai para a estrada, tem tanta possibilidade de morrer violentamente como de ganhar o primeiro prêmio da Loteria Nacional.
Os mortos somam uns quinze mil por ano, sendo que esta cifra engloba os pedestres atropelados... o que não é justo. De qual­quer maneira, devemos reconhecer que a proporção de vítimas é ínfima, se levarmos em conta as centenas de milhões de pessoas que, ao longo dos 365 dias do ano, arriscam a sorte voluntariamente no jogo do automóvel e da morte. Considerando que a migração motorizada dos fins de semana converteu-se no esporte viril da humanidade, o preço não é exagerado: o bilhar ou o críquete são, afinal de contas, quase igualmente perigosos.
Imaginemos, por um momento, que os homens enfrentassem com a mesma despreocupação, com a mesma temeridade, as forças hostis da natureza. Que hecatombe! Mas, por sorte, a humanidade não cessou de inventar vacinas contra as epidemias, diques contra as inundações, edifícios elásticos contra os terremotos, pára-raios contra o fogo do céu, silos e conservas contra a fome, pílulas contra o excesso de população, religiões contra o desespero...
Da guerra podemos extrair uma conclusão análoga e que é, ao mesmo tempo, tão paradoxal quanto consoladora. É surpreendente constatar que, para matar um só homem, se necessite de tantas toneladas de metal, de matérias explosivas, de petróleo, de gases e mais uma infinidade de outras coisas. Tudo isto para que, ao cessar o inferno provocado, o número de sobreviventes supere o de vítimas! O assassinato coletivo organizado não é uma atividade rentável. Nem sequer a bomba atômica compensa seu elevado custo: inspira-nos horror porque é obra do homem, mas os terremotos e as tempestades, a fome e as epidemias, as inundações e as pragas eliminariam, com gastos menores, muito mais gente.
Deixando de lado os cataclismas naturais, o homem enfrenta permanentemente as agressões do clima, do meio ambiente, dos elementos em geral e, se isso não fosse suficiente, deve, a todo momento, suportar as hostilidades que a ele declaram, as forças invisíveis, tanto as que sobem da terra como as que baixam do céu. Não há dúvida, pois, de que a natureza é, para ele, inimiga mortal. Quando um homem diz que é ou quer ser "naturista", só pode fazê-lo por esnobismo e de maneira parcial ou temporária. Pois na verdade, para sobreviver, necessita de roupas e de uma casa.
O resto dos animais da criação resiste muito melhor às inclemências do meio. Mas o homem, à medida que se distingue do animal e se afasta da barbárie, não tem mais remédio senão agir como o caracol. A casa é seu único refúgio, sua verdadeira proteção. Para ter segurança necessita de quatro paredes e um teto.
Dormir sob as estrelas, eis aí uma bela imagem poética - mas a realidade que ela exprime é temível. Dormir descoberto à noite é perigoso. Um mínimo de prudência aconselha a colocar uma tela protetora entre o adormecido e o "ar livre" que lhe resplandece sobre a cabeça.
Aqui devo mencionar que dormir de noite ao ar livre é o que faz do homem uma vítima indefesa oferecida em holocausto a toda classe de raios cósmicos e telúricos que pululam no estado natural. Os perigos diminuem consideravelmente para quem se mantém protegido. Quanto à dormir a sesta, só pode trazer benefícios... a menos, é claro, que se procure a sombra de alguma árvore maléfica. Mas, insisto, à noite quem dorme a céu aberto vê-se reduzido a um estado de vulnerabilidade tanto mais completo quanto as horas noturnas são precisamente aquelas em que se desencadeiam com violência sem limite os bombardeios e caudais das forças invisíveis, quer espirituais, físicas, elétricas ou magnéticas.

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